A linha é uma citação direta ao livro Sertão- mar, de Ismail Xavier (2007), cuja primeira edição data de 1983, texto que aqui se coloca como um paradigma do deslocamento representado em produções da fase inicial do Cinema Novo, embora projetando também a possibilidade de outras conexões com filmes que podem ser pensados em tal perspectiva, mesmo tendo sido produzidos anterior ou posteriormente aos anos 1960. Na verdade, a análise desenvolvida no livro inclui Barravento (Glauber Rocha, 1962) e Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha, 1964) em cotejo com O pagador de promessas (Anselmo Duarte, 1962) e O cangaceiro (Lima Barreto, 1953). Mas a referência que mais sugere sentidos para a linha aqui proposta vem precisamente de Deus e o diabo na terra do sol. O deslocamento do sertão ao mar do vaqueiro Manuel e de sua mulher Rosa estão associados à metáfora que investe sentidos revolucionários – “o sertão vai virar mar e o mar virar sertão”. Tal metáfora acompanha os protagonistas seguidamente em suas fases de conscientização para a revolução, marcadas pela morte do patrão fazendeiro, a morte do beato Sebastião e a morte de Corisco, em um contexto em que o perseguidor Antonio das Mortes tem um papel fundamental, para que por fim Manuel e Rosa possam se aproximar do mar, o lugar da utopia revolucionária. Há aqui um plano de alegoria nacional que vai repercutir em muitos outros filmes nos quais o sertão e o mar serão tomados como figuras da reflexão sobre o país, eventualmente estabelecendo contrapontos diversos. É o caso, por exemplo, de Cacá Diegues em Bye bye Brasil (1979), filme no qual o mar virou poluição e, se há alguma saída, esta aponta para o extremo oposto do país, os confins do sertão. É o caso de Walter Salles em Central do Brasil (1998), que inverte o lugar da utopia glauberiana, colocando o sertão como o espaço de retomada de um sentido ético que se perdera na cidade urbana figurada como “central” do país. Há também as várias releituras do sertão-mar empreendidas na chave das paisagens afetivas. Opera-se, neste caso, entretanto, um deslocamento da ideia de revolução, ou de alegoria nacional, tal como compreendida no primeiro Cinema Novo, na medida em que as paisagens subjetivas se fundem a paisagens coletivas, e a própria ideia de utopia revolucionária adquire outras perspectivas não necessariamente nacionais. Um exemplo diz respeito à Cinema, aspirinas e urubus (Marcelo Gomes, 2005), no qual a Segunda Guerra Mundial e a perspectiva da morte pela seca se conjugam, aproximando personagens tão distintos quanto Ranulpho e Johann. Outro exemplo é o sertão em vias de ser modificado pela transposição do rio São Francisco, tal como isto se configura na visão subjetiva do geólogo protagonista de Viajo porque preciso, volto porque te amo (Karim Aïnouz, Marcelo Gomes, 2009). Em suma, o deslocamento do sertão ao mar e do mar ao sertão é provavelmente uma das marcas mais reiteradas do cinema brasileiro e se reflete enfaticamente em diversos filmes de estrada.