Crise da Cultura Patriarcal

On the road, o livro de Jack Kerouac (1997) lançado em 1957, filmado por Walter Salles (Na estrada, 2012), sem dúvida, é uma referência fundamental dos road movies. Tanto no romance quanto no filme, fica evidente a crise que marca os protagonistas, Sal Paradise e Dean Moriarty, também na perspectiva da ausência do pai. Sal Paradise – um alter ego de Kerouac, assim como Moriarty é de Neil Cassady – perdeu os pais e mantém um vínculo familiar fundamentalmente com a tia, que o ajuda quando ele está em alguma enrascada nas suas tantas viagens. Já para Moriarty, seu pai se torna uma espécie de fantasma, impossível de ser alcançado. Além disso, ele mesmo se torna pai no transcorrer da narrativa, mas tampouco consegue manter relações estáveis na família que forma com Camille, com quem tem filhos. Esse aspecto relacionado à procura do pai ou à dificuldade de se assumir enquanto tal é recorrente em alguns road movies. Basta lembrar exemplos como Central do Brasil (Walter Salles, 1998), que constrói sua narrativa a partir da busca de Josué pelo próprio pai; O caminho das nuvens (Vicente Amorim, 2003), em que o pai assume uma postura autoritária para esconder sua fragilidade diante da mulher e dos filhos; Dois filhos de Francisco (Breno Silveira, 2005), em que o desejo do pai move os filhos para a vida de artista;  Árido movie (Lírio Ferreira, 2006), no qual a morte do pai de Jonas, o protagonista, é um aspecto fundamental, condutor da história; À beira do caminho (Breno Silveira, 2012), em que um caminhoneiro que não consegue assumir a sua paternidade acaba dando carona a um menino em busca do pai; A busca (Luciano Moura, 2013), no qual há um pai em busca do filho, que por sua vez está em busca do avô. Em suma, há vários exemplos, no Brasil e no exterior, nos quais a figura do pai relacionada ao masculino e à sua potência (ou impotência, como é o caso de Clyde em Bonnie e Clyde – uma rajada de balas, de Arthur Penn, 1968) sinaliza uma crise da cultura patriarcal.  A propósito da produção dos EUA, Timothy Corrigan (1991) fala que os road movies, sendo herdeiros dos westerns e dos filmes noir e estando relacionados aos efeitos traumatizantes da Segunda Guerra Mundial (em que a vinculação homem-máquina associava-se à morte), estão relacionados, no momento de sua emergência nos anos 1950,  a um corpo histérico masculino em conexão com o carro e com a estrada, em busca de uma saída ao establishment. Em tal caminho, a estrada se constituiria como um espaço capaz de problematizar mecanismos voyeurísticos historicamente patriarcais por meio dos quais o mundo estaria fundado sobre o desejo masculino. Em relação ao Brasil, encontramos produções em que esse aspecto é questionado, inclusive, na perspectiva de afirmação de um cinema de caráter feminista. Mar de rosas (Ana Carolina, 1977) é um caso emblemático nesse sentido, com Felicidade e Betinha, mãe e filha, questionando-se entre si e na relação respectivamente com o marido e pai, ou com os seus substitutos na ordem patriarcal, o que, no caso do Brasil, pode coincidir com figuras autoritárias relacionadas à ditadura militar. Nesse sentido, Iracema (em Iracema, uma transa amazônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, 1974) e Salomé (em Bye bye Brasil, Cacá Diegues, 1979) são também personificações, alegorias nacionais construídas sobre figuras de mulheres que confrontam a ordem patriarcal, inclusive, em sua perspectiva ditatorial.

Os comentários estão encerrados.