O recorte temporal que norteou a pesquisa, e que vem resultar nestas linhas de coerência discursivas ora apresentadas, compreendeu inicialmente o intervalo entre 1960 e 1980, por ser um período que, embora de um lado estivesse relacionado à modernização conservadora empreendida pelo governo da ditadura militar e seus projetos do “milagre econômico brasileiro”, sendo também no campo especificamente cinematográfico um momento de experiência de superação dos estúdios e busca de locações, por outro, também implicou a emergência de uma indústria cultural no país, com a televisão e a publicidade alcançando cada vez mais público (cf. RAMOS, 2004). Tal contexto se conjuga a determinadas formas de produção audiovisual, como os gêneros cinematográficos, que refletem conjunturas sociopolíticas e econômicas em seus discursos. No caso dos filmes de estrada, há uma característica recorrente relacionada a essa possibilidade: o rádio dos veículos frequentemente põe em cena a música popular que ouvem os personagens e que ouvimos nós, espectadores, no transcorrer da narrativa. No Brasil, isso reflete inclusive a força da indústria fonográfica nacional, pois vamos encontrar músicos que, sendo populares no universo da indústria fonográfica e de todo um circuito de mídia que ela articula – programas de rádio, TV, publicidade, etc. – acabam por se tornar personagens de road movies, por vezes até interpretando a si próprios, como é o caso de Roberto Carlos em filmes dirigidos por Roberto Farias – Roberto Carlos em ritmo de aventura (1968), Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa (1970) e A 300 km por hora (1971). De fato, são vários os exemplos possíveis de ser explorados nesta linha que vincula filmes de estrada e músicos populares. É o caso de Chico Buarque de Holanda, Maria Bethania e Nara Leão em Quando o carnaval chegar (Cacá Diegues, 1972); Fábio Jr. interpretando o sanfoneiro Ciço em Bye bye Brasil (Cacá Diegues, 1979); Milionário e José Rico em A estrada da vida (Nelson Pereira dos Santos, 1980); Zezé di Camargo & Luciano em Dois filhos de Francisco (Breno Silveira, 2005). Há também os filmes que, mesmo sem contar com músicos como personagens, têm na trilha sonora um fator fundamental da narrativa: O caminho das nuvens (Vicente Amorim, 2003), Árido movie (Lírio Ferreira, 2006), A fuga da mulher gorila (Felipe Bragança, Marina Meliande, 2009), À beira do caminho (Breno Silveira, 2012), Viajo porque preciso, volto porque te amo (Karim Aïnouz, Marcelo Gomes, 2009), entre outros. Contudo, a intermidialidade relacionada à cultura popular não diz só respeito a cinema e música, ainda que esta relação em princípio prevaleça certamente em razão da forte tradição musical brasileira. Outras conexões também são prováveis. Conectando literatura, cinema e televisão, por exemplo, é possível o registro do romance Jorge, um brasileiro, de Oswaldo França Jr., lançado em 1967, o filme homônimo dirigido por Paulo Thiago (1989) e Carga pesada, a série de TV veiculada pela Globo, com duas temporadas entre 1979 e 2007 (cf. PAIVA, 2009) . Relacionando cinema e televisão, há, por exemplo, a série O vigilante rodoviário, primeiramente exibida na TV Tupi (1961-1962) e desde então reprisada em outros canais (sendo a reprise mais recente possivelmente a do Canal Brasil, em 2009). A série, com 38 episódios produzidos em película, contou com produção e direção de dois ex-integrantes dos estúdios paulistas de cinema, respectivamente, Alfredo Palácios e Ary Fernandes. Já relacionando cinema, publicidade e propaganda, é oportuno o registro de Cinema, aspirinas e urubus (Marcelo Gomes, 2005). Sobre cinema e circo, Bye bye Brasil (Cacá Diegues, 1979) e O palhaço (Selton Mello, 2011). Em suma, esta linha de filmes de estrada associados à cultura popular assume diversas perspectivas de abordagem pautadas pelas interações entre as artes e comunicações na perspectiva da intermidialidade.